O filho como cabo de guerra: reflexões sobre divórcio e alienação parental
São muitas as responsabilidades dos pais na vida conjugal. A manutenção da qualidade do relacionamento afetivo-sexual, o provimento do sustento da casa e a educação dos filhos são alguns desafios que podem desencadear crises ou mesmo o divórcio.
Dessa forma, a criança é tão disputada quanto os bens do casal, que maneja estratégias que podem até ultrapassar a ética e o bom senso. Um exemplo disso é a utilização do filho para atingir o ex-cônjuge. É comum que isso traga consequências nefastas ao desenvolvimento infantil. É delas que abordaremos hoje.
A Síndrome da Alienação parental
A Síndrome da Alienação Parental (SAP) não é um problema novo, embora os estudos tenham se iniciado na década de 80. Através das pesquisas de Richard Gardner, professor de Psiquiatria Clínica do Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade de Columbia.
Gardner a definiu como uma disfunção que surge no contexto das disputas de guarda, provocada pelo genitor que “programa” intencionalmente o filho para que ele rejeite o ex-cônjuge sem justificativa. O objetivo é fazer com que a criança ou o adolescente desenvolva afetos negativos em relação àquele genitor com quem não convive. O que causará prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos entre eles após o divórcio.
Especialistas da saúde mental criticam a SAP pelo fato de ela ainda não pertencer aos manuais de transtornos mentais, não sendo até então reconhecida por nenhuma associação profissional e científica por carecer de bases empíricas.
De qualquer modo, não se pode negar essa realidade. Pois está cada vez mais presente nos processos de guarda e regulamentação de visitas. Sendo investigada nas varas de família e da infância e juventude. A prova disso é que foi aprovada no Brasil, a Lei nº 12.318 que dispõe sobre a alienação parental.
Comecemos esclarecendo que o protagonista da alienação parental não necessariamente é genitor ou guardião. Pode ser aquele que não detém o poder familiar, ou mesmo cuidadores que detém a guarda . Alguns autores, destacam que amigos da família e profissionais que circundam a criança também podem se comportar como alienadores. Embora isso possa fugir ao conceito original.
Como é a atuação do alienador?
Os comportamentos comumente efetuados pelo alienador são: dificultar o acesso do filho ao outro genitor; desvalorizar e insultar o outro genitor na presença da criança; responsabilizar o não-guardião pelo comportamento inadequado do filho, dentre outros.
Cabe ressaltar que medidas aparentemente inofensivas também constituem alienação parental, como omitir deliberadamente ao outro genitor informações pessoais e compromissos relevantes da criança; apresentar o novo relacionamento amoroso aos filhos como “a sua nova mãe” ou “o seu novo pai”; mudar de domicílio sem justificativa e envolver terceiros na campanha difamatória contra o outro genitor.
Não há dúvidas de que tais atitudes provocam consequências negativas ao desenvolvimento infantil. Uma vez que a criança tem o direito à convivência com ambos os pais (e famílias extensas), independente do relacionamento conjugal.
Através dessas condutas, o genitor alienador está fazendo uso de abuso emocional, violência que é silenciosa. Mas que traz marcas mais profundas que a agressão física, além de prejudicar vínculos que precisam ser saudáveis para melhor desenvolvimento dos filhos.
O alienador utiliza a criança ou o adolescente como instrumento de vingança para uma realidade que ainda não aceitou e se adaptou. Não hesitando em usar diversos artifícios para dificultar a relação com o outro genitor.
Outro fato a ser considerado é o contexto aversivo em que se encontra a criança ou adolescente, que favorece o padrão de fuga e esquiva em relação a ambos os pais.
Nesse mesmo contexto, a criança também edita seu comportamento verbal, podendo fazer uso de contracontrole, com a mesma finalidade de evitar punições. É uma situação extremamente ansiógena para a criança, que pode apresentar uma série de comportamentos que, não raro, se enquadram em um transtorno.
Qual o efeito da alienação parental?
Em médio prazo, os efeitos da alienação parental podem ser: depressão; quadro de estresse; incapacidade de se adaptar aos ambientes sociais; comportamento hostil e agressivo; terrores noturnos; ansiedade excessiva; tendência ao isolamento; consumo de álcool e/ou drogas; apatia; retraimento social e sentimento de culpa.
Em um clima de hostilidade entre os genitores desde o colapso do casamento e diante do processo de ruptura dos vínculos afetivos, a criança pode padecer de grande desconforto mental e físico. De modo que os sintomas podem até ser confundidos como consequências de abuso.
Efeitos igualmente danosos se referem àqueles que são constatados em longo prazo. Além do agravamento dos sintomas supracitados, tem-se também a possibilidade de rompimentos definitivos de vínculos familiares; sentimentos de raiva contra o genitor alienador. Sem contar e sensação de culpa em virtude do tempo de vivência perdido em relação ao outro genitor.
Outro ponto marcante é o estresse pelo qual passará a criança ou adolescente ao longo da tramitação judicial. Evento que costuma incluir uma série de eventos aversivos de exposição; entrevistas periciais e oitiva nos tribunais. Tornando ainda mais delicado o processo de guarda e regulamentação de visitas.
O impacto do conflito conjugal no desenvolvimento psicológico da criança e do adolescente
Conforme pesquisas recentes, a presença de problemas comportamentais na infância não estaria relacionada unicamente à situação do divórcio parental, mas, sim, à sua exposição a conflitos intensos anteriores ao rompimento familiar.
Ademais, pode-se inferir que a existência de relações conflituosas antes da separação, no entanto, aumenta a probabilidade de que haja relações conflituosas após o divórcio, sobretudo se pelo menos um dos cônjuges não tiver aceitado e se adaptado à nova condição civil, relacional e afetiva.
Para a detecção da alienação parental, o juiz pode atuar autonomamente ou lançar mão de uma perícia psicológica ou psicossocial. Se for constatada a alienação parental, a Lei nº 12.318 prevê uma série de penalidades.
Conforme a gravidade do caso: advertência; ampliação do regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; multas ao alienador; alteração da guarda; suspensão da autoridade familiar, entre outras.
Com o conhecimento das consequências negativas quando se utiliza de práticas abusadoras e alienadoras, uma reflexão se faz pertinente: é melhor submeter seu filho às frustrações de um relacionamento conjugal, prejudicando seu desenvolvimento biopsicossocial, ou trabalhar seus comportamentos e emoções visando uma melhor adaptação à nova realidade?
Inpa – Instituto de Psicologia Aplicada, Asa Sul, Brasília – DF, Brasil