Comportamento Governado por Regras na Área de Saúde e Segurança do Trabalho

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Segundo Skinner (1953/2000), as conseqüências práticas da ciência, enquanto um conjunto de comportamentos do cientista, criam um contexto constante de verificação das afirmações desse cientista. A aplicação do conhecimento científico é, então, uma contingência para que a apresentação de fatos e sua descrição precisa estejam acima do viés do cientista.

No contexto experimental, a contribuição do presente estudo consiste em mostrar dados sistemáticos e comparáveis dos efeitos das instruções sobre o comportamento humano em situações de reforçamento positivo e negativo. No contexto da aplicação, os resultados apresentados podem sugerir orientações para a utilização das regras e instruções como forma de controle do comportamento na área da educação, da psicoterapia ou das organizações, sendo que a busca da aplicação do conhecimento apresentado seria uma forma de verificar a precisão das relações entre variáveis aqui descritas.

A aplicação da análise do comportamento no ambiente das organizações, tendo como base científica a análise do comportamento operante e como base tecnológica as pesquisas em Análise Aplicada do Comportamento, é denominada de Gerenciamento Comportamental de Organizações (Mawhinney, 1992). Pesquisas nessa área baseiam-se, principalmente, nas interações entre comportamentos e efeitos diretos ou indiretos que esses comportamentos têm sobre aquilo que a empresa realiza ou produz. As contribuições do Gerenciamento Comportamental das Organizações se estendem a várias áreas da gestão de recursos humanos nas organizações, como por exemplo: Treinamento e Desenvolvimento (Pampino, Wilder, & Binder, 2005), Gestão de Desempenho (Caplin, Edelstein, & Redmon, 1988; Wilk & Redmon, 1990), Remuneração e Incentivos (Evans, Kienast, & Mitchell, 1988; Frisch & Dickinson, 1990), Liderança (Komaki, 1998), e Saúde e Segurança do Trabalho (Geller, 1990; Sulzer-Azaroff, Loafman, Merante, & Hlavacek, 1990; Olson & Austin, 2001).

Conforme Culig, Dickinson, Mcgee e Austin (2005), as intervenções promovidas pelos pesquisadores em Gerenciamento Comportamental de Organizações utilizam, como procedimentos típicos, treinamento, estabelecimento de metas, feedback, elogios, premiações em dinheiro, dentre outros. Com exceção das premiações em dinheiro, todos esses procedimentos são baseados no CGR. No treinamento, por exemplo, a especificação de tarefas funciona como uma estratégia para os membros de uma organização adquirirem comportamentos apropriados a partir da exposição a um conjunto de regras/instruções (ver Crowell, Anderson, Abel, & Sergio, 1988). O feedback é uma descrição que compreende comparações entre comportamentos emitidos por um membro (ou grupo) da organização ao realizar uma determinada tarefa e aqueles esperados pelo(s) gestor(es) da organização. O feedback pode assumir não somente função de estímulo reforçador (ou punitivo) para os comportamentos emitidos, mas também de estímulo discriminativo para os comportamentos subseqüentes e, assim, funcionar como uma instrução.

Os resultados dos experimentos 1 e 3 do presente estudo² fornecem suporte adicional para o uso de especificação de tarefas e feedback como estratégias facilitadoras para a aquisição de comportamento sob contingências de reforçamento negativo ou positivo. Esses resultados também indicam que, mesmo após a retirada das instruções, o comportamento alvo poderá continuar a ser emitido, desde que as contingências programadas tenham adquirido funções discriminativas sobre esse comportamento. Para tanto, é importante que as instruções exerçam o papel de estímulos alteradores da função de outros estímulos presentes na contingência.

Na área de Saúde e Segurança do Trabalho (SST), a Segurança Comportamental, uma subárea do Gerenciamento Comportamental de Organizações, tem buscado identificar e intervir nas variáveis de controle dos comportamentos funcionalmente relacionados com acidentes e doenças do trabalho. Tendo como objetivo diminuir os índices de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais principalmente em indústrias, a Segurança Comportamental tem oferecido suporte aos programas tradicionais de intervenção em SST propondo que o comportamento humano no ambiente de trabalho é, como qualquer comportamento, função de estímulos antecedentes e conseqüentes. É importante observar que nessa área, os comportamentos estão, na sua grande maioria, sob controle de reforçadores negativos. Isto é, o comportamento seguro pode ser entendido como um comportamento de esquiva, porque adia ou evita conseqüências aversivas. Por exemplo, um frentista se esquiva de um incêndio ao lavar imediatamente o chão de um posto de combustíveis no qual tenha sido derramada gasolina.

Um funcionário de uma indústria pode se envolver em acidentes ou desenvolver doenças do trabalho por não emitir comportamentos adequados e “seguros” na área de produção. Esses comportamentos podem não ocorrer, provavelmente, porque o funcionário não recebeu instruções sobre a correta utilização de equipamentos e maquinário ou porque não foi informado sobre as possíveis conseqüências da não emissão dos mesmos, dentre outras razões. Por exemplo, um operário de uma indústria petroquímica que manuseie benzeno, pode não utilizar equipamentos como luvas e máscara protetora e, desta forma, aumentar a probabilidade de desenvolver câncer porque não recebeu informações sobre conseqüências de seus comportamentos de risco. Outro funcionário que não seja instruído a operar corretamente uma máquina de prensar utilizada na fabricação de embalagens, pode se ferir gravemente ao prender sua mão no equipamento. Nesses casos, não se poderia permitir que o comportamento do funcionário fosse modelado pelas conseqüências, pois as mesmas poderiam gerar danos irreversíveis, e até mesmo fatais. Além disso, uma exposição direta à máquina de prensar pode compreender uma contingência extremamente complexa, que não modelaria (ou demoraria para modelar) o comportamento. Os experimentos 1 e 3 do presente estudo, assim como experimentos anteriores (Ayllon & Azrin, 1964; Baron & cols., 1969; Galizio, 1979) sugerem que a utilização de treinamento, apresentação de informações, avisos e sinalizações na área de SST é extremamente útil para evocar comportamentos “seguros” em condições nas quais não se poderia esperar (ou permitir) que as pessoas contatassem a contingência (e.g., câncer produzido pelo contato com benzeno e acidente com máquina de prensar) para só então emiti-los.

Porém, um problema na área de SST é que as regras que descrevem contingências de risco no ambiente de trabalho tornam-se inacuradas à medida que especificam comportamentos que visam evitar acidentes e esses comportamentos, quando não emitidos, não produzem necessariamente conseqüências aversivas como o próprio acidente ou lesões. Um operário da construção civil que utilize o capacete no canteiro de obras em função das normas de segurança (CGR) pode, por vezes, deixar de utilizar o capacete e não se envolver em acidente. Nesse caso, de acordo com o Experimento 2, a norma de segurança torna-se inacurada, podendo ser abandonada em função do contato com discrepância entre a regra e a contingência.

Além da possibilidade de contato com a discrepância regra-contingência, seguir instruções/normas (e.g., utilizar equipamento de proteção individual), pode produzir conseqüências aversivas (e.g., capacetes que pesam, cintos que apertam o corpo e roupas protetoras que esquentam o corpo demasiadamente). Nesse caso, o seguimento de regras também pode ser abandonado, a menos que haja forte controle social, ou seja, a presença constante de supervisores, como figuras de autoridade.

Dado que as regras fornecidas na área de SST tendem a se tornar inacuradas em função do contato com a discrepância regra-acidente (Experimentos 2 e 4)3, é provável que os programas de SST que estejam baseados principalmente em avisos, informações e treinamentos (regras) tendam a ser ineficazes na manutenção da freqüência de comportamentos que possam reduzir o número de acidentes e problemas de saúde. Por outro lado, se os responsáveis pela SST utilizarem estímulos reforçadores arbitrários como conseqüência da emissão desses comportamentos “seguros”, os mesmos podem ser mantidos. Uma estratégia viável seria a utilização de inspeções nas áreas de trabalho para fornecer conseqüências como elogios, feedback e premiações em dinheiro aos comportamentos adequados às normas de saúde e segurança. Essa estratégia, já utilizada em programas de Segurança Comportamental, permite apresentar novos estímulos reforçadores que passam a assumir o controle de comportamentos “seguros” e permite a formulação de regras acuradas que especifiquem as conseqüências positivas arbitrárias produzidas por esses comportamentos. Fornecer regras acuradas nesse contexto significaria descrever as contingências de maneira a especificar (1) estímulos ou condições antecedentes para (2) comportamentos que produziriam (3) as conseqüências reforçadoras arbitrárias. Nesse sentido, para aumentar ou manter a freqüência de comportamentos “seguros”, os responsáveis pelos programas de saúde e segurança poderiam, por exemplo, apresentar avisos e informações que especificassem uma quantidade de dinheiro a ser paga a funcionários que apresentassem alta freqüência de comportamentos adequados durante a semana. Assim, no lugar de premiar os funcionários por horas/dias de trabalho sem acidentes (intervenção freqüentemente utilizada nos programas tradicionais de SST e que não especifica os comportamentos “seguros”), os gestores utilizariam eficazmente o conhecimento do CGR e a tecnologia analítico-comportamental como forma de intervir em problemas organizacionais.

* Fragmento da dissertação intitulada “Efeitos de Instruções Acuradas e Inacuradas em Situações de Reforçamento Negativo e de Reforçamento Positivo”, apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, em dezembro de 2005, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Psicologia. Autor: Fábio Augusto Caló. Orientadora: Profa. Dra. Josele Abreu-Rodrigues.

1. Abreviatura de Comportamento Governado por Regras.

2. Resumo do estudo: A literatura sobre controle instrucional tem indicado que instruções facilitam a aquisição do comportamento, mas diminuem a sensibilidade deste comportamento a mudanças nas contingências. O presente estudo investigou esses efeitos das instruções em situações análogas de reforçamento negativo e positivo. Doze participantes foram expostos a uma tarefa que consistia em pressionar a tecla de um teclado de computador para evitar perdas ou produzir ganhos de pontos de acordo com um esquema múltiplo com quatro componentes. Esses participantes foram distribuídos em quatro experimentos, envolvendo diferentes fases. Na Fase Sem Instrução, os participantes não recebiam instruções sobre os intervalos programados entre as perdas (Experimento 1) ou ganhos (Experimento 3) de pontos. Porém, na Fase Instrução Acurada, os participantes eram informados sobre esses intervalos. Na Fase Instrução Inacurada foram programadas discrepâncias entre as instruções e a programação de perdas (Experimento 2) e ganhos (Experimento 4) de pontos, havendo ou não contato com essas discrepâncias. Os resultados mostraram (1) que instruções acuradas promoveram responder eficiente e (2) que o controle instrucional foi enfraquecido quando houve contato com a discrepância instrução-contingência, sugerindo que instruções não produzem necessariamente insensibilidade a mudanças nas contingências. Esses resultados foram observados independente de a situação envolver reforçamento negativo ou positivo. Entretanto, as taxas de respostas foram mais altas sob reforçamento negativo do que sob reforçamento positivo. Em conclusão, o presente estudo forneceu evidências de similaridades e diferenças do comportamento governado por regras (CGR) em situações de reforçamento negativo e positivo.

Inpa – Instituto de Psicologia Aplicada, Asa Sul, Brasília – DF, Brasil

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